ESCOLA VIVA

Um mundo diferente não pode ser construído por pessoas indiferentes

Por Andréia Vasconcelos, integrante do Comitê de Cultura Inclusiva

O convite para fazer um depoimento no Blog da Escola Viva já é um belo indicador do estreitamento das relações entre família e escola, ainda mais quando um comitê - como o de cultura inclusiva - surge e acontece na prática.

É ir além de abrir as portas da escola. É entrar e participar ativamente dos processos e das vivências que nossos filhos e filhas têm dentro da rotina escolar. Um “arrumar armários e gavetas juntos”.

Neste comitê, do qual participo, vejo, principalmente, uma inclusão na sua forma mais ampla: a escola abrindo-se para falar sobre um tema tão necessário e, ao mesmo tempo, tão polêmico, pois temas como preconceito e discriminação incomodam, muitas vezes, machucam e tocam feridas que, na nossa sociedade, historicamente, ficavam escondidas, guardadas a 7 chaves, para que fosse mantida a suposta imagem de “perfeição” das famílias, das escolas e da sociedade como um todo.

Um dos meus livros favoritos - “Longe da Árvore”, cujo subtítulo é “Pais, filhos e a busca da identidade”, obra de Andrew Solomon - fala sobre famílias e crianças marcadas pelas diferenças, ou seja, filhos e filhas que nasceram na contramão da expectativa dos pais e mães.

“Longe da Árvore” trata da inclusão dentro da família, a primeira instituição em que somos inseridos e onde nossas relações mais poderosas são construídas.

O autor explica o conceito de “identidades horizontais”, isto é, as que se diferenciam dos padrões familiares, linguísticos e sociais predeterminados, em oposição às identidades verticais, quando os filhos e filhas seguem as características parentais (como, por exemplo, a etnia, a língua, uma mesma religião ou uma mesma orientação sexual etc).

A constatação do jornalista é clara e impactante desde o primeiro capítulo: “enquanto as identidades verticais são celebradas e esperadas, as identidades horizontais costumam ser vistas com tristeza, como defeitos que precisam ser corrigidos.”

Andrew fala ainda que ter um filho ou uma filha é um encontro profundo com um estranho-íntimo. É a relação mais íntima que a gente vai ter na vida e na qual estamos o tempo inteiro sendo provocados por estranhamentos.

Nossos filhos e filhas envolvem-se com o mundo ao redor e, de repente, fazem ou falam uma coisa que nos faz pensar: “De onde veio isso? Da escola? Do grupo de colegas?

Nós, pais e mães, muitas vezes achamos que somos os únicos “sabedores de tudo para nossas crianças”. Estamos o tempo todo estranhando e buscando entender: Quem é nosso filho ou nossa filha? Nesse momento, a escola apresenta-se como o nosso principal e primordial aliado.  

A escola é a segunda e principal instituição que nossos filhos e filhas conhecem na vida. O alinhamento de todos os valores e um diálogo aberto e franco fazem com que se sintam ainda mais seguros e preparados para adquirir todo o conhecimento e vivências que ela proporciona.

Fica aqui o convite para conhecerem a obra - “Longe da Árvore” - e, principalmente, para darem-se a oportunidade de aprender a amar e respeitar as diferenças.

Participar deste comitê me aproxima ainda mais da comunidade escolar (colaboradores, colaboradoras, famílias e estudantes) e favorece a humanização deste lugar onde todos nós somos aprendizes. Onde podemos ser e experimentar nossas imperfeições, já que estamos construindo juntos um caminho para que nossos filhos e filhas vivam em uma sociedade com menos barreiras e menos preconceitos do que a sociedade que vivenciamos no passado, mas que, infelizmente, ainda carrega alguns traços desse passado até os dias de hoje.

Estendendo e ampliando as conversas sobre o tema preconceito e sobre a urgência na mudança da nossa sociedade, deixo aqui um poema que fala sobre preconceito racial e que também nos mostra o quanto os comitês são necessários para aprendermos e multiplicarmos algo mais substancioso na formação dos nossos jovens.

“A voz da minha bisavó ecoou
criança nos porões do navio.
Ecoou lamentos
de uma infância perdida.

A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.

A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.

A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e fome.

A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.

(Vozes-mulheres, de Conceição Evaristo)

Um mundo diferente não pode ser construído por pessoas indiferentes!

Precisamos fortalecer, cada vez mais, uma relação família-escola abrangente e diversa.

Se quiser saber mais … ou juntar-se ao Comitê de Cultura Inclusiva, entre em contato pelo APP da Escola Viva.


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