ESCOLA VIVA

Fazendo a cabeça (parte II)

por Paula de Oliveira Cassimiro - professora polivalente do 3º ano, professora de Jogos Teatrais do 5º ano e participante do Comitê Antirracista da Escola Viva.

Este texto é continuação do texto “Fazendo a cabeça (parte I)”, publicado em 10/11.

Na década de 1960, o movimento desencadeado pelos negros dos Estados Unidos - que envolvia a busca e valorização das suas raízes culturais e a organização política na luta por melhores condições de vida - serviu de inspiração para o povo negro do Brasil.

A expressão estética desse movimento de empoderamento se deu no uso dos cabelos crespos naturais. Eles representavam uma expressão estética que refletia uma postura política, sobretudo o penteado escultural e redondo - o black power. 

Mas, já na década de 1930, países da América Central, como a Jamaica, na época ainda uma colônia inglesa, colocaram em voga o uso dos cabelos crespos tecidos em dreadlocks. Estes penteados passaram a ser mais usados no Brasil na década de 1970, ainda sem ampla aceitação, mas já revelando fortemente as tendências políticas e culturais dos seus portadores. Só em meados da década passada, eles se popularizaram entre os homens negros brasileiros, livrando-se de estigmas como o de um cabelo sujo. Entre as mulheres, seu uso ainda é bastante estigmatizado, sendo muitas vezes relacionado a um comportamento pouco feminino.

Mesmo durante o advento do black power, a maioria das pessoas negras do Brasil seguiu alisando os cabelos, já que a sociedade seguia (e segue) extremamente racista. Entre as décadas de 70 e o início dos anos 2000, o uso do cabelo natural ainda estava associado a uma postura de consciência política e, consequentemente, de enfrentamento contra o racismo.

Ao longo dos anos 2000, com a popularização das pautas raciais, a positivação de alguns aspectos da negritude tornou-se mais comum e até de bom tom, dentro de um discurso humanista um pouco esvaziado. Mas, sem dúvida, representou uma melhora, ainda que muito sutil, nas condições de vida do povo preto. Com isso, o uso do cabelo crespo, em diferentes cortes e formas, não só se popularizou como ganhou status e força na indústria cosmética.

Ações como a transição capilar - com muitas mulheres negras deixando de usar química nos cabelos para alisá-los e fazê-los perder o volume - tornaram-se mais comuns, refletindo mais que uma simples mudança estética, mas um importante processo de autoaceitação que vem mexendo em feridas históricas profundas, como vários estudos universitários têm revelado.

De fato, o debate das questões negras foi ampliado e popularizado em todas as áreas: direitos políticos, acesso a estudo e emprego, melhorias na condição de vida, saúde física e mental.

Ainda assim, como o racismo é estrutural, a situação do negro segue muito precária. O pensamento racista que habita toda a sociedade brasileira ainda sente que pode ditar o tipo de cabelo crespo que é aceitável: com os fios todos definidos em cachinhos iguais, sem frizz, toque sedoso e brilho, como se cabelos crespos não tivessem características diferentes. Aliás, faz parte da perspectiva racista acreditar que os vários povos negros e suas descendências são todos uma coisa só. É como se a especificidade típica do ser humano não se aplicasse aos negros.

Em 2023, o pensamento da branquitude não se constrange em exotizar e avaliar o cabelo de pessoas negras como se ainda estivesse no cais do Valongo. Naqueles tempos, tocava-se o corpo dos escravizados para avaliar-lhes a saúde através da análise dos dentes. Agora, pessoas se sentem no direito de tocar os cabelos de pessoas negras e perguntar qual o processo que usam para lavá-los!

Ao contextualizar, muito rapidamente, a história do cabelo crespo no Brasil, esse texto objetiva mostrar como a valoração negativa sobre ele foi moldada histórica e culturalmente, e, também, lançar um alerta: se você não gosta ou estranha algo, procure saber o porquê e se não está sendo preconceituoso(a).

Lembre-se: o gosto é moldado não só por preferências subjetivas, mas por valores sociais.

Tenha cuidado para não cair em uma outra armadilha da cultura racista, que é o ato reflexo de querer mandar na pessoa negra.

Agora que você tem algumas informações positivas sobre o cabelo crespo, não se sinta no direito de pedir àquela sua amiga crespa que alisa o cabelo para usá-lo natural e “se aceitar de verdade”. Você não tem ideia da violência que ela vive por ser uma pessoa que carrega a negritude na pele em uma sociedade racista. Ela é um ser livre e capaz de fazer as próprias escolhas.

Este texto (como também o “Fazendo a cabeça - parte I” - publicado recentemente) baseou-se em duas produções intelectuais de relevância: “CABELO IMPORTA: os significados do cabelo crespo/cacheado para mulheres negras que passaram pela transição capilar”, escrito por Anita Maria Pequeno Soares na sua dissertação de mestrado na área de sociologia para a Universidade de Pernambuco (UFPE), em 2018; e o artigo “Alisando o nosso cabelo”, de 2005, da escritora, professora universitária e ativista política norte americana Bell Hooks, que recentemente nos deixou. A citação - de Minha Rapunzel tem dread - que abre o texto é um RAP da brasileira MC Soffia, que hoje tem 19 anos, mas o compôs quando tinha por volta dos 11 anos.

“Fazer a cabeça” é uma expressão utilizada para a iniciação nas tradições do candomblé. Este processo ritualístico procura fazer a pessoa renascer e traçar um novo caminho de vida na relação com os valores desta religião. Para muitos negros brasileiros contemporâneos, é uma forma de revisitar e curar as dores geradas pelo racismo estrutural. Ao refletir sobre o cabelo crespo, pretendemos instigar novos e mais respeitosos pensamentos sobre este tipo de cabelo e o povo que o porta.


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