ESCOLA VIVA

Drogas lícitas e ilícitas: representações, significados e enfrentamento

por Francisco Ferreira - Diretor Escola Viva, e Edmilson de Castro - Coordenador Ensino Médio Escola Viva

Na grande maioria das situações, quando alguém menciona o termo drogas, o faz para se referir a drogas ilícitas, como é o caso, por exemplo, da maconha, heroína, cocaína ou LSD. Raramente a palavra é utilizada no contexto do uso de álcool, cigarro ou de medicamentos, embora todas essas substâncias se enquadrem na definição mais ampla de droga: “qualquer substância capaz de alterar o funcionamento normal de um organismo” (Tarso Araújo, Almanaque das drogas, p.14).

Essa distinção entre o que é lícito e o que é ilícito sugere que as drogas que se enquadram nesta última categoria causam mais prejuízos à saúde e é por isso que são proibidas.

Entretanto, é importante desconstruirmos esta representação, pois ela não somente não é correta como também pode levar a ações que não consideram a amplitude do problema.

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2019, 

o consumo de álcool entre jovens é significativamente maior do que o de drogas ilícitas.

O estudo aponta que 63,3% dos estudantes entre 13 e 17 anos já experimentaram bebida alcoólica. Entre eles, mais de um terço (34,6%) provou pelo menos uma dose antes de completar 14 anos e 47% revelaram ter tido episódios de embriaguez. Por comparação, somente 13% dos jovens nessa faixa etária haviam experimentado algum tipo de droga ilícita como maconha, cocaína, crack e ecstasy e, desse universo, 4,3% haviam feito isso antes dos 14 anos.

Estes dados não significam que estas substâncias ilícitas são menos perigosas ou prejudiciais à saúde, mas indicam claramente que o fato do álcool ser uma droga legalizada o torna socialmente aceito e, por consequência, há uma maior permissividade em relação ao acesso e consumo por parte dos(as) jovens.

O primeiro passo no enfrentamento do consumo de drogas por parte dos(as) estudantes passa, portanto, pela necessidade de revisarmos a ideia que normalmente temos sobre o que é uma droga e passarmos a entendê-la como qualquer substância capaz de provocar alterações no comportamento ou na percepção, independentemente da sua condição legal.

O segundo ponto a considerarmos é que, embora medidas de controle e interdição sejam necessárias, elas têm se mostrado insuficientes para inibir o crescimento do uso de drogas: “Um relatório do ano passado [do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime] estima que, em todo o mundo, cerca de 284 milhões de pessoas, entre 15 e 64 anos, usaram drogas em 2020, 26% a mais do que dez anos antes” (Revista Cult, ano 26, julho 2023, edição 295, p. 12).

Isto significa que é fundamental entendermos os fatores que levam jovens estudantes a consumir drogas (lícitas ou ilícitas) e implementarmos programas de conscientização e prevenção de seu uso na adolescência.

Estudos e pesquisas de especialistas citam várias razões para adolescentes se iniciarem no mundo das drogas. As mais comuns são:

  • pressão dos(as) amigos(as): necessidade de ser aceito(a) em um grupo;
  • dificuldade de lidar com as próprias emoções: sintomas de ansiedade, culpa, medo, incertezas, baixa autoestima, conflitos familiares ou nas relações com colegas/amigos(as);
  • pressão por alto desempenho na escola ou nos esportes;
  • curiosidade: saber qual é a sensação causada pela droga;
  • busca pelo prazer imediato.

A informação sobre os prejuízos que as substâncias psicoativas causam à saúde é um passo fundamental. A maioria dos(as) adolescentes (e, muito provavelmente, uma boa parte das famílias) desconhece como as diferentes drogas atuam no organismo e os efeitos que têm sobre o funcionamento do cérebro e de outros órgãos, especialmente em uma fase de formação.

É preciso, porém, ir além da informação, pois há uma postura que, muitas vezes, pode ser vista como prepotente por parte do(a) jovem:

“Eles pouco relacionam possíveis alterações de seu comportamento, pensamento e mesmo de seu funcionamento orgânico com o uso dessas substâncias, pois essas mudanças muitas vezes decorrem também da adolescência normal. Quando o fazem, minimizam ou negam as evidências e, dentro de uma postura ainda ambivalente, dizem que "isso não é nada" e que poderão resolver tudo sozinhos.” (O adolescente e o uso de drogas, Ana Cecília Petta Roselli Marques e Marcelo S Cruz, Brazilian Journal of Psychiatry 22 (suppl 2), Dez 2000).

Portanto, é necessário também (e principalmente) criar vínculos de confiança com os(as) jovens, incentivar o diálogo entre pares sobre este tema, e propiciar experiências ligadas à dimensão socioemocional, por meio de recursos como poesias, músicas, filmes e depoimentos que os(as) atravessem e desloquem de uma posição de indiferença ou negação.

Neste contexto, é importante que pais e mães (ou outros responsáveis legais) estejam atentos a sinais de alerta, como comportamentos diferentes dos habituais, alterações no estado físico ou psíquico, gastos extraordinários, e compartilhem imediatamente com a escola suas observações e preocupações.

Desta forma, podemos criar uma rede de apoio que possa identificar precocemente situações relacionadas ao consumo de substâncias psicoativas e, ao mesmo tempo, planejar em conjunto estratégias que possam ajudar os(as) jovens a lidar com os fatores que desencadearam essas situações.

Reconhecer que estamos diante de um problema multifatorial requer um esforço de todos os participantes na educação dos(das) jovens e exige uma abordagem que contemple diversos aspectos do sujeito adolescente, o que é indispensável para avançarmos no enfrentamento ao consumo e dependência de drogas.


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