Por Comitê Antirracista da Escola Viva
“Nunca entre numa discussão sobre racismo dizendo ‘mas eu não sou racista’.”
(Djamila Ribeiro)
O contexto da dor
Todos sabemos que o Brasil é um país marcado por profundas desigualdades étnico-raciais. Segundo o IBGE, a população negra no nosso país é de quase 56%. Isso faz com que o Brasil tenha a maior população negra fora da África.
Mas infelizmente a realidade nacional não se relaciona com a realidade de grande parte das instituições de ensino particulares do Brasil.
Colocando o dedo na ferida
Com o compromisso de elaborar um plano de ação para enfrentar tamanha desigualdade, promover estratégias para ampliar a diversidade étnico-racial em nossa comunidade escolar e construir uma educação antirracista, no primeiro semestre de 2023, a Escola Viva - ao lado da Bahema Educação - convidou famílias e colaboradores(as) a responderem ao Censo Étnico-Racial.
O objetivo era mapear as percepções e o perfil de nossos(as) colaboradores(as) e estudantes. Afinal, para pensar em soluções para uma realidade, é necessário tirá-la da invisibilidade e conhecer melhor a nossa própria comunidade.
A dor
Em síntese, os resultados foram:
Colaboradores(as) Viva
88% dos colaboradores responderam ao Censo. Foram 185 respostas no total e destes:
65% se autodeclararam brancos.
19% se autodeclararam pardos.
13% se autodeclararam pretos.
3% se autodeclararam amarelos.
1% se autodeclarou indígena.
Se somarmos as autodeclarações de pretos e pardos, temos apenas 32% de um agrupamento que pode ser considerado genericamente como negros - 75% ocupando funções administrativas, e 25% ocupando funções pedagógicas.
Estudantes Viva
68% dos responsáveis por nossos alunos e alunas responderam ao Censo - do total de respostas, chegamos aos seguintes dados:
90% se declararam brancos.
6% se declararam pardos.
1% se declarou preto.
2% se declararam amarelos.
1% optou por não se declarar.
Não obtivemos nenhuma declaração de indígenas.
Somando mais uma vez as declarações de pardos e pretos, temos apenas 7% de um agrupamento que pode ser considerado genericamente como negros.
Os resultados do Censo Ético-Racial não foram uma surpresa, mas doeu! Constatou-se em números a triste realidade em que estamos inseridos, a dívida histórica com a população negra e a importância de se refletir sobre os privilégios da branquitude.
Qual é o lugar do branco na luta antirracista?
Se a população negra é a maioria no nosso país e se o Brasil tem a maior população negra fora da África, a ausência de pessoas negras em espaços de liderança e poder deveria ser sempre questionada, assim como o pouco acesso de estudantes negros e indigenas a instituições particulares de ensino.
Mas sabemos que não é assim que as coisas acontecem na prática.
Talvez exista a possibilidade da dor diminuir…
O número expressivo de pessoas brancas deve fazer com que pensem, reflitam e entendam os privilégios que acompanham a sua cor, e esses privilégios não podem ser naturalizados ou considerados apenas como esforço próprio.
Por que será que apenas 7% dos(as) nossos(as) estudantes são negros(as)?
Por que será que, muitas vezes, as únicas pessoas negras presentes em um restaurante que você frequenta estão servindo as mesas?
Segundo Djamila Ribeiro, trata-se de refutar a ideia de um sujeito universal - a branquitude também é um traço identitário, porém, marcado por privilégios construídos a partir da opressão de outros grupos. Este debate não é individual, mas estrutural: a posição social do privilégio vem marcada pela violência, mesmo que determinado sujeito não seja deliberadamente violento.
Antes de serem homogeneizados pelo processo colonial, os povos negros existiam como etnias, como culturas, até que foram tratados como mercadorias de forma opressora, violenta e com excessivas tentativas de arrancar-lhes a sua humanidade. Essa divisão social ainda existe, e a falta de reflexão e debate sobre o tema, em diferentes instâncias sociais, é que forma uma das bases para a construção do sistema de discriminação racial e polarização social.
Mas o que fazer para mudar?
Como enfatizou Grada Kilomba: “O racismo é uma problemática branca!”.
Para Cida Bento, a maioria dos brancos não se reconhece como parte essencial nas desigualdades raciais, sequer se consideram racistas. Por este motivo, as políticas afirmativas e o debate sobre desigualdades devem ganhar cada vez mais visibilidade para que se possam vislumbrar possíveis mudanças.
Você já parou para pensar em questões como:
Qual é o nosso lugar de brancos e brancas antirracistas?
O que cada um de nós tem feito para combater o racismo?
Difícil, não é?
Desfazer sistemas que, por muito tempo, promoveram o conforto e a segurança de um grupo de pessoas em detrimento de outro não vai acontecer de um dia para o outro e está longe de ser uma tarefa fácil, pois envolverá autorreflexão, percepção de si, desconstrução, debate e ações antirracistas coletivas e duradouras.
Em 2023, a lei 10.639/03 - que possibilita ensinar e aprender sobre História e Cultura Africana e Afro-brasileira - completa 20 anos. Já a lei 11.645/08 - que torna obrigatório o ensino da História e também da Cultura Indígena - completa 15 anos.
Ambas marcam o dever de se estabelecer diretrizes para uma Educação Antirracista no Brasil.
Se o dedo está na ferida, quais são os caminhos para a cicatrização?
“Brasil, meu nego, / deixa eu te contar/ a história que a história não conta, / o avesso do mesmo lugar [...] Desde 1500 / tem mais invasão do que descobrimento, / tem sangue retinto pisado / atrás do herói emoldurado”
(Deivid Domênico, Tomaz Miranda, Mama, Marcio Bola, Ronie Oliveira e Danilo Firmino)
O Comitê Antirracista da Escola Viva - composto por representantes da comunidade escolar - entende a escola como espaço de transformação e revisão de posturas.
O Comitê estuda e procura traçar, junto com estudantes, colaboradores e famílias, os rumos de uma educação comprometida com o movimento antirracista por meio do Letramento Racial e no diagnóstico dos problemas e desafios para pensar coletivamente em ações que mudem o atual contexto da nossa comunidade escolar.
Atualmente, o Comitê trabalha em um plano de ação de curto prazo que visa:
- Organizar um calendário de debates permanente tendo por referência a questão problematizadora: Preto no Branco ou Branco no Preto: Qual a Cor do Nosso Racismo?
- Estabelecer uma meta para a contratação de colaboradores(as) negros(as) e indigenas: em dois anos aumentar em 30% o número atual de colaboradores negros e indigenas na área pedagógica.
- Analisar e ampliar a possibilidade de oferta de bolsas sociais, privilegiar o acesso às bolsas de estudos já existentes para pessoas negras ou indígenas para todos os segmentos da escola.
- Debate periódico em todos os segmentos a respeito de notícias da atualidade sobre temas correlatos à perspectiva antirracista, de acordo com a faixa etária.
- Buscar boas referências e parcerias com escolas que trabalhem com Práticas Antirracistas.
- Revisão curricular tendo como meta a implantação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que tornam obrigatório o ensino da História e Cultura africana e afro-brasileira no currículo escolar, com ênfase nas disciplinas de História, Arte e Literatura, objetivando a educação para as relações étnico-raciais.
- Continuar investindo no Letramento Racial de toda comunidade escolar.
A cura total provavelmente seja possível por meio da luta coletiva! O que não podemos mais é ficar parados apenas com o dedo na ferida, ou certamente ela irá aumentar.
Sejamos antirracistas!
Referências Bibliográficas:
Bento, C. Pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
Ribeiro, D. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
Abaixo mais alguns textos e links que valem o clique:
Vídeo - Poema: Vozes mulheres de Conceição Evaristo
Vídeo - Clélia Rosa - Trabalhando relações étnico-raciais na educação
Vídeo - Para tecer - Repensando a educação numa perspectiva antirracista
Vídeo - O desenvolvimento de preconceito racial em crianças de Dra. Airi Macias Sacco
Texto - Multiplicar ações afirmativas - Portal Geledés
Texto - Ao seu, ao meu, ao nosso “amigo” que pensa ser antirracista, mas que na verdade…
Baixe o ebook:
Desenvolvendo competências socioemocionais na escola
Leia mais no Blog da Escola Viva
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