por Edmilson de Castro - Coordenação Pedagógica do Ensino Médio da Escola Viva
O processo de escolarização de massa, que a modernidade disseminou e naturalizou ao longo do tempo, incorporou amplos setores da sociedade que durante muito tempo estiveram excluídos da educação formal.
Este acontecimento produziu um conjunto de leituras acerca da relação entre a escola e a sociedade bastante distorcida no que se refere à influência de uma sobre a outra.
A valorização da educação formal
A valorização da educação formal aumentou muito a importância da escola como instituição e, ao mesmo tempo, reforçou a imagem de que a escola é a instituição que determina os rumos da sociedade e de seu modo de produzir riqueza, cultura e valores.
O que podemos perceber, contudo, é que a educação escolar em sua relação com os modos de produção social de riquezas e ideias é uma instituição reativa que, ao sentir o impacto dos diferentes processos de rupturas provocados por alterações no campo do conhecimento, da produção material e imaterial e dos modos de vida, procura encontrar alguma forma de adaptar seu currículo e seus procedimentos metodológicos às exigências externas ao seu universo cultural.
Não é por acaso, que todas as vezes que há alguma transformação importante no campo econômico ou tecnológico, a escola é convocada a modificar seus procedimentos de trabalho, reorganizar tempos e espaços das disciplinas curriculares e, não raro, passar por uma “reforma” de seu currículo para se adaptar o “novo tempo”, como se ele, o “novo tempo”, fosse uma necessidade surgida da própria escola.
O avanço do conhecimento no campo tecnológico
Com o avanço do conhecimento no campo tecnológico e a intensificação exponencial do uso das mídias digitais, a pressão sobre a escola e seu currículo para se ajustarem às novas exigências do mundo do trabalho tem se intensificado vertiginosamente, induzindo as instituições de ensino a realizarem, cada vez mais rapidamente, um processo de “destruição criativa” de seus modos tradicionais de funcionamento, na procura de uma “nova” identidade que dê conta das exigências do momento.
Não há como negar que preparar o jovem para o mundo do trabalho ou no ensino superior faz parte da trajetória histórica da escola.
Ênfase do emprego para a empregabilidade
Segundo Jan Masschelein e Maarten Simons, coordenadores do Laboratório para a Educação e a Sociedade da Universidade de Louvain, da Bélgica, o que mudou, atualmente, é “a ênfase do emprego para a empregabilidade”.
Segundo estes autores, “otimizar o emprego era, em grande parte, uma questão política e, no mínimo, era o objetivo da política social e econômica”.
Agora, no entanto, o emprego passa a ser uma responsabilidade do indivíduo, o que faz com que todos sejam colocados na condição de aprendiz ao longo da vida e “um investidor no próprio capital humano”.
Ensino de competências e habilidades
Frente a este cenário, não causa espanto, o destaque dado pelas escolas ao ensino de competências e habilidades. Na verdade, não apenas as escolas, mas a sociedade como um todo, exige que o desenvolvimento dos mais variados tipos de competências sejam ensinados e aprendidos, como preparação individual na luta pela empregabilidade.
Na definição dos autores citados, “uma competência se refere à habilidade de realizar e, portanto, a um conjunto específico de conhecimentos, habilidades e atitudes necessário para o desempenho de determinadas tarefas” que deverão fazer parte do “portfólio” do aluno em sua disputa por espaço no mercado de trabalho.
O dilema que se coloca para a escola e as relações de ensino e aprendizagem é saber se poderá sintonizar seu currículo ao ritmo das mudanças operadas no campo da ciência, da tecnologia e suas implicações no mundo do trabalho de modo a atender às necessidades da empregabilidade, sem descaracterizar completamente sua finalidade histórica, qual seja, ser a instituição responsável por assegurar “tempo livre” para o pensar.
O ato de pensar é um movimento que supera a lógica objetiva e produtivista
Neste sentido, entendemos que a escola dificilmente poderá atender às demandas que lhe são direcionadas sem se descaracterizar completamente.
O tempo de maturação do conhecimento produzido no ambiente escolar é completamente diferente daquele constituído por outras instituições sociais.
A escola - e tudo o que ela produz no campo do conhecimento e da experiência - exige um tempo mais lento e elaborado, múltiplo e variado, por considerar o individual e o coletivo em sua construção e, acima de tudo, por entender que o ato de pensar é um movimento que supera toda lógica objetiva e produtivista de nossa sociedade.
Além dos muros da escola
Isto não quer dizer que a escola não deva considerar o que se passa além de seus muros.
Cabe à escola, sem dúvida, estar aberta e receptiva ao que se passa em seu entorno, de maneira seletiva e crítica, se quiser ir além de mera correia de transmissão para a reprodução de modelos e valores que lhe sejam estranhos.
É pouco provável que uma escola consiga preparar o aluno para atender às competências que o mercado de trabalho exige. Elas são múltiplas, variadas e se tornam obsoletas rapidamente.
Mas a escola pode oferecer algo que jamais perderá a validade ou se tornará obsoleto.
Currículo crítico e instigante
A escola, através de um currículo crítico e instigante, poderá assegurar aos estudantes o tempo e as ferramentas necessários para que aprimorem o ato de pensar e agir, com segurança e liberdade.
Pensar e agir com segurança e liberdade são instrumentos que qualquer pessoa necessita para decidir sobre seu destino profissional e existencial.
Esses elementos são atemporais, embora contextualizados historicamente, e superam os limites estabelecidos pelas classificações pedagógicas ou mercadológicas.
Capacidade de pensamento e crítica
De tudo isto, podemos inferir que apesar da preocupação que a finalização da educação básica acarreta para famílias e estudantes quanto ao ingresso na vida adulta e, consequentemente, no mercado do trabalho, das expectativas de que esta formação possa ter dotado o estudante das habilidades necessárias ao seu sucesso profissional, o que conta verdadeiramente, é se a formação recebida possibilitou ao jovem, aprimorar sua capacidade de pensamento e crítica durante todo o período de escolarização.
Quando, ao longo da escolarização, o aluno ou aluna foi desafiado, permanentemente, a fazer do conhecimento um meio para problematizar as verdades do mundo e os seus sentidos, quando foi instigado a fazer do pensamento um instrumento de afirmação pessoal e de compartilhamento coletivo, sabemos que sua formação foi completa e ele está preparado para os desafios que a vida apresentar.
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