Educar: inventar problemas para fazer pensar

 

por Edmilson de Castro - Coordenador Pedagógico do Ensino Médio da Escola Viva

Um espectro ronda a escola brasileira desde os anos 1970: o fantasma da interdisciplinaridade. Um fantasma que também pode responder por ensino pluridisciplinar, transdisciplinar ou qualquer outro conceito que busque mostrar que educar quer dizer superar os limites de uma educação centrada nas disciplinas.

Em comum, todas essas designações representam um ataque ao ensino iluminista, focado nas disciplinas acadêmicas, fundamento básico do currículo da escola moderna.

Devemos a introdução desta questão na educação brasileira ao filósofo Hilton Japiassu, discípulo do epistemólogo francês Georges Gusdorf, que afirma: “o mundo padece de uma doença muito grave... a pulverização do saber em setores muito limitados”.

Desde então, educadores e educadoras de todas as escolas foram convocados a repensar e, frequentemente, desprezar o ensino centrado nas disciplinas, como sendo algo típico do currículo tradicional e, consequentemente, superado e arcaico.

Aqui, o conceito de disciplina comporta ao menos duas representações: a disciplina voltada ao controle dos corpos no espaço institucional, que diz respeito aos aspectos atitudinais; e, de outro lado, a disciplina como os conhecimentos acadêmicos que deverão ser ensinados e que se ancoram em conhecimentos de base científica que deram sentido e forma ao modo de vida da modernidade ocidental.

Resumindo: a partir dos anos 1970, o currículo disciplinar passou a sofrer um pesado ataque conceitual, com implicações no plano didático, relacional e avaliativo, desestabilizando toda uma cultura de trabalho historicamente constituída por professores e estudantes no ambiente escolar.

Toda essa problemática e o movimento que dela resultou não surgiram no interior da escola. Mas decorreram do esgotamento das possibilidades de produção e reprodução de subjetividades que o moderno sistema capitalista encontra em determinado momento de sua história.

Esgotados certos modos de produzir sujeitos para fazer o mundo funcionar sob determinada lógica, outro é preciso ser criado; e isto passa, diretamente, pela escola e por seus mecanismos de subjetivar estudantes, para o mercado de trabalho ou, mais amplamente, para a vida.

A partir daí, o Estado aciona sua maquinaria para dar início a um conjunto de “reformas educacionais”, mediante novas diretrizes legais que, por sua vez, põem em movimento o mercado editorial e de cursos de formação, de modo a fazer com que os educadores se adequem às novas regras conceituais, pedagógicas e didáticas.

O mais recente exemplo dessa dinâmica é o chamado “novo ensino médio” que, em certo sentido, manifesta desprezo ao ensino por disciplinas, o que impacta uma cultura de ensino inerente aos estabelecimentos de ensino, que não é assimilada com facilidade pelos educadores, porque não consegue dialogar com a história vivida por eles ao longo de suas trajetórias profissionais.

Acredito que, em relação às relações de ensino e aprendizagem, o problema da escola não reside nas disciplinas; dificilmente teremos escola sem disciplina, nos dois sentidos do termo.

Rejeitar as disciplinas significaria romper com uma tradição secular de valorização do pensamento científico, que seria trocada, como temos visto em projetos de resultado para lá de questionáveis já aplicados por escolas públicas e particulares, por atividades generalistas, de pouco rigor formal e crítico, mais preocupadas com demandas sociais e imediatas do que em formar sujeitos independentes, pensantes e ativos politicamente.

O grande desafio da escola está na sua capacidade de desenvolver um currículo e uma prática didática que superem as ações voltadas ao armazenamento de conceitos e informações pelos alunos e alunas, sem que sejam utilizadas como um meio para o desenvolvimento do ato de pensar.

Dar a pensar é o grande problema que afeta a todos que trabalham em uma instituição de ensino. Dar a pensar não é algo que diz respeito somente aos alunos e alunas. Os educadores também carecem, e muito, de fazer do seu trabalho um ato de pensamento.

Para além do volume de informações que uma escola propicia a seus estudantes, essas informações só farão sentido se, a partir delas, alunos(as) e professores(as) conseguirem fazer ferramentas para o questionamento de suas existências pessoais e coletivas.

Isso pede uma didática mais perspectivista, afinal de contas, apesar da crença de que o mundo forma uma totalidade, ele é, na verdade, repleto de perspectivas pessoais e coletivas, e sempre aberto a novos questionamentos, invenções e descobertas.

Não precisamos destruir as disciplinas; precisamos, isto sim, ter capacidade de inventar novos problemas. Problemas se inventam, eles não estão fora de nós. Nós somos parte deles. Claro que isto não é simples.

Afinal de contas, a tradição escolar, centrada na disciplina ou não, acostumou-se a fazer e responder perguntas. Quem proclamou a República? O que é um átomo?

Isto é certamente importante. Mas não faz pensar, porque não é um problema.

O problema deve mexer com as verdades estabelecidas, sejam elas científicas, históricas ou existenciais. É um movimento de desestabilização intelectual do sujeito, do que ensina e do que aprende.

Sem desestabilização intelectual, não há pensamento.

É, de fato, mais importante inventar um problema do que respondê-lo. Um problema inventado poderá acionar um conjunto de possibilidades reflexivas e de saberes que, por si só, já garantiria um aprendizado sólido e mobilizador de vontades.

Uma pedagogia do pensamento e da problematização não está a serviço da salvação do mundo ou das demandas impostas por certo modelo de sociedade.

Ela aposta que a invenção de problemas é um excelente caminho de aproximação das pessoas, senão para resolver o problema inventado, ao menos para criar um espaço para que os bons encontros sejam vivenciados, na esperança de que alternativas para o bem comum sejam construídas.

Inventar problemas e dar a pensar na escola requer, certamente, rever toda a arquitetura que fundou a escola moderna e, com ela, aquilo que entendemos por aluno(a) e professor(a).

Mais do que todas as fantasmagorias que rondam a escola brasileira, há algumas décadas, dar a pensar e inventar problemas são boa utopias a serem perseguidas.


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